Artigo - Publicado no livro “10 anos de vigência do Código Civil Brasileiro de 2002”, Coord. Christiano Cassettari, Saraiva, 2013.
Publicado no livro “10 anos de vigência do Código Civil Brasileiro de 2002”, Coord. Christiano Cassettari, Saraiva, 2013.
A COMPLEMENTAÇÃO DE LACUNAS NO CÓDIGO CIVIL
Continua a viger o artigo
4º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro – LINDB[1]?
Rogério Donnini
Presidente da Academia Paulista de Direito.
Advogado e consultor jurídico. Professor Doutor de Direito Civil da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, nos cursos de graduação, especialização, mestrado e
doutorado e da Segunda Universidade de Nápoles, Itália (Facoltà di Giurisprudenza della Seconda Università degli Studi di
Napoli). Professor de Teoria Geral do Direito e Hermenêutica nos cursos de
mestrado e doutorado da Fadisp.
SUMÁRIO: 1. O
processo legislativo e as mudanças sociais, políticas e econômicas. 2. Noção de
sistema jurídico. Sistemas abertos, fechados, móveis, heterogêneos,
cibernéticos e autopoiéticos. 3. Lacunas no sistema do atual Código Civil. A
analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. Princípios
positivados. As funções dos princípios. 4. Existe lacuna se há costumes
e princípios gerais do direito? 5. Conclusão.
Referências Bbliográficas.
“To what, then, do judges turn? To those principles of
reason, morality and social utility which are the fountain-head not only of
English law but of all law.” (Carleton Kemp Allen)[2]
1. O
processo legislativo e as mudanças sociais, políticas e econômicas.
Dos fatos nasce o direito (ex facto oritur ius). Havendo necessidade de regulamentação, o
legislador é chamado a criar uma norma. Todavia, hodiernamente, os fatos surgem
de forma tão célere que o Poder Legislativo, muitas vezes, não atende ao
chamado da sociedade para que seja realizada a subsunção de um fato a uma
norma. Em outras oportunidades, quando o legislador cumpre essa função a
destempo ou de maneira pouco precisa, o resultado pode ser a criação de uma
norma desatualizada, que fatalmente se tornará uma letra morta.
Esse fenômeno sucede no plano mundial e é o resultado das rápidas
transformações sociais, políticas e econômicas que implicam dificuldades na
solução de conflitos envolvendo temas de direito privado, direito público e
direitos difusos. Destarte, questões relacionadas aos direitos da personalidade[3], cujas hipóteses de
proteção ocorrem em numerus apertus,
bem como temas de direito contratual ou mesmo responsabilidade civil, em
especial aqueles atinentes à responsabilidade civil pós-contratual[4], assim como assuntos atinentes
ao meio ambiente ou mesmo envolvendo a dignidade da pessoa humana, entre
outros, cabe à jurisprudência, amparada na doutrina, resolver os conflitos que
chegam ao Poder Judiciário.
O ordenamento jurídico não tem, conforme já dito, a
capacidade de qualificar normativamente todos os comportamentos possíveis, pois
não raro surge uma situação não prevista, não regulada, em que o juiz não pode
realizar o processo de subsunção do fato ao preceito, pois não há completude do
sistema. Assim, essa incompletude dá ensejo à existência de lacunas[5] e a questão primacial é a
forma pela qual elas devem ser preenchidas.[6] Portanto, o sistema
jurídico, embora incompleto, é passível de complementação, que se dá, num
primeiro momento, na constatação e, num segundo momento, na colmatação da
lacuna.[7]
O direito, inegavelmente, coloca à disposição do magistrado
meios para que seja preenchida uma lacuna. No entanto, vem sempre à baila os
problemas da segurança jurídica, isto é, surgem as seguintes indagações: como o
juiz pode colmatar uma lacuna e, ao mesmo tempo, estar vinculado à lei? Como
evitar que influências ideológicas que qualquer pessoa tem interfiram nessa
complementação da lacuna? Estar-se-ia diante da criação de novas leis de forma
arbitrária? Essas e outras dúvidas aparecem com frequência quando se estuda a
incompletude do sistema. Contudo, antes de analisarmos esses temas, é mister uma
breve exposição a respeito da noção de sistema.
2. Noção
de sistema jurídico. Sistemas abertos, fechados, móveis, heterogêneos,
cibernéticos e autopoiéticos.
Sistema, segundo Savigny, é a “concatenação interior que liga todos os institutos jurídicos e as regras de direito numa grande unidade.”[8] A noção de sistema[9] abarca, necessariamente, a ideia de ordenação e unidade. Como todo ordenamento jurídico possui uma natureza valorativa, o sistema a ele vinculado, nas lições de Canaris, “... só pode ser uma ordenação axiológica ou teleológica – na qual, aqui, teleológico não é utilizado no sentido estrito de pura conexão de meios aos fins, mas sim no sentido mais lato de cada realização de escopos e de valores, portanto no sentido no qual a jurisprudência das valorações, é equiparada à jurisprudência teleológica.”[10]
O sistema jurídico é, nas palavras de Bobbio, uma “totalidade
ordenada, ou seja, um conjunto de organismos, entre os quais existe uma certa ordem.”
Esclarece, ainda, que esses organismos ou entes constitutivos não devem estar
apenas em relação com o todo, mas que exista relação de compatibilidade e
coexistência, bem como em que condições é possível essa relação. Desta forma,
para que haja um sistema jurídico, seja numa lei extravagante, código ou
constituição, há de existir normas integradas de maneira articulada, formando
uma totalidade ordenada. A relevância de um corpo de normas possuir unidade,
formando um sistema, está no fato de que nenhum dispositivo de lei pode ser
interpretado de forma isolada, desconectada do sistema.[11]
Os sistemas jurídicos podem ser fechados ou abertos. Os
primeiros caracterizam-se pela maneira de legislar segundo a qual as normas
jurídicas teriam de definir, de forma precisa, determinados pressupostos e
indicarem, também de forma exata, suas consequências. Nesse sistema, portanto,
que seria completo, numa fictio iuris,
não se admitia a existência de lacunas. Esse sistema era o modelo oitocentista
de codificação, o monismo jurídico[12], isto é, a lei seria a
única fonte de produção jurídica e outras fontes (estatais e não estatais,
como, v.g., a jurisprudência e os
negócios jurídicos) seriam mero resultado, consectário desse único nascedouro
de direitos e obrigações (lei), conforme preconizaram a Jurisprudência dos Conceitos e as escolas hermenêuticas que a
precederam.[13]
O Código Civil francês, de 1804, representa esse sistema
rígido e fechado de codificar. No caso francês havia uma preocupação maior com
a segurança jurídica do que a busca de um ideal de justiça. E havia uma explicação
convincente para que o chamado código da burguesia adotasse esse sistema, pois
após a Revolução Francesa havia absoluta desconfiança da burguesia para com os
magistrados, oriundos da nobreza, antiga classe dominante. Existia o temor de
que os juízes continuassem a decidir da mesma maneira que vinham julgando, vale
dizer, sem um critério adequado, num verdadeiro pluralismo jurídico. As mesmas
questões eram decidas das mais variadas formas, resultando, assim, numa real
insegurança jurídica. A lei, desta forma, foi o instrumento adequado, nesse
sistema fechado, para o domínio da burguesia e sua expressão máxima foi o Code Napoléon, que sequer permitia
qualquer forma de interpretação, sendo certo que apenas a literal foi, posteriormente, admitida.[14]
O nosso Código Civil de 1916 seguiu esse modelo de completude do sistema fechado e apenas
em 1942, com a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei
n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), hoje Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB),
é que se permitiu a colmatação de lacunas (art. 4º), mesmo assim com a permissão
de integração por intermédio de mecanismos oriundos do sistema e a partir da
lei, ou seja, pela analogia, costumes e princípios gerais do direito.
Nesse sistema (fechado e rígido), a solução para um
determinado caso deveria ser encontrada no próprio ordenamento jurídico, o que
o tornava distante, muitas vezes, das constantes transformações sociais e
econômicas, em flagrante descompasso com a realidade.
O segundo sistema jurídico é o aberto, ou seja, é reconhecida a sua não plenitude, ao se permitir
a intromissão de elementos estranhos, além de não se recusar a incertezas de questões
exteriores. Nas preleções de Canaris, a partir da ideia desenvolvida por Walter
Wilburg, o sistema é móvel, quando apresenta
uma posição intermediária entre previsão rígida e cláusulas gerais[15]. O sistema móvel, como o
próprio nome diz, possui mobilidade, o que permite um progresso, um verdadeiro
aperfeiçoamento pela aplicação e interpretação das cláusulas gerais[16]. Esse sistema está, em
verdade, recheado de cláusulas gerais, conceitos legais indeterminados,
conceitos legais determinados pela função, além dos princípios gerais do
direito, em constante interação.[17] É o que sucede com o
Código Civil atual.
Há quem sustente, ainda, que além de aberto e móvel, o sistema é heterogêneo, por comportar lacunas e a existência de possíveis contradições de princípios, além de cibernético, pelo qual são analisadas as concepções básicas diante do resultado das aplicações jurídicas a que se proponha.[18] Mais recentemente, tem sido defendido o denominado sistema autopoiético, segundo o qual o sistema seria fechado, não na concepção tradicional proposta pela Jurisprudência dos Conceitos, mas num sentido novo, com sua própria circularidade e auto-referibilidade, ou seja, indiferença e inacessibilidade à lógica dos outros sistemas. Destarte, diferentemente dos sistemas tradicionais que pregam a unidade, que parte de uma “ideia de justiça” ou uma “norma fundamental”, esse sistema seria heterárquico, pois todos os elementos teriam o mesmo peso dentro do conjunto.[19]
3. Lacunas
no sistema do atual Código Civil. A analogia, os costumes e os princípios
gerais do direito. Princípios positivados. As funções dos princípios.
Há uma lacuna quando surgem situações não previstas em lei
ou, eventualmente, posto haja previsão, a consequência da norma não foi
tipificada completamente[20], o que tem sido constante
na atualidade, em razão das céleres transformações sociais e econômicas por que
passamos, não somente em nosso País como no plano mundial.
O art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro estabelece: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.” Nosso
ordenamento, a exemplo do que dispõem os códigos italiano e suíço[21], entre outros, prevê a
maneira pelo qual o intérprete preenche a lacuna existente. É o método de
integração pelo qual, uma vez constatada a ausência de lei para o caso
concreto, o exegeta deve se valer primeiramente da analogia, em segundo lugar
do costume e, posteriormente, apenas na hipótese da colmatação da lacuna não
ocorrer é que deverá o julgador se utilizar dos princípios gerais do direito.
Pela analogia (primeira fase de complementação da lacuna) estende-se a uma hipótese estatuída em lei o que o legislador estabeleceu para outra semelhante.[22] Todavia, não é tarefa simples a aplicação da analogia, pois é um processo de raciocínio indutivo em que não se passa do particular para o geral, mas do particular para o particular.[23]
A analogia é um procedimento lógico de averiguação
valorativa, que se forma em razão de similitude[24]. Para sua aplicação deve
existir ausência de previsão legal e que o caso examinado (comparado) tenha
real semelhança com aquele previsto, assim como haja um elemento de identidade
fundamental.[25]
Nesse mesmo procedimento de busca da norma análoga, é efetivada a interpretação
extensiva, uma vez que o exegeta deve se utilizar não de mera semelhança, mas
de uma semelhança relevante.[26]
Na impossibilidade de aplicação da analogia iuris, ao abrigo do mesmo artigo 4º da LINDB, o próximo passo para a
complementação da lacuna deverá ser pelo costume que, no estudo das fontes do
direito, foi, para os povos primitivos, a maneira pela qual eram decididos os
conflitos interpessoais. Em Roma, na Realeza (das origens de Roma, por volta de
800 a.C., a 510 a.C.), eram usos praticados pelos antepassados (mores maiorum)[27] e transmitidos, pela
tradição, às gerações seguintes[28] (Consuetudine autem ius esse putatur id, quod voluntate omnium sine lege
vestutas comprobavit)[29], um direito não escrito.
Continua o costume a ser atualmente umas das fontes não estatais
do direito, juntamente com a doutrina, além das duas outras fontes estatais: a
lei e a jurisprudência.[30] Entretanto, entre nós, as
regras costumeiras estão praticamente em desuso, tendo em vista que há evidente
prevalência das normas escritas e cada vez são mais raros os julgados fundamentados
por meio dessa norma não escrita. Para o emprego do costume na complementação
de uma lacuna é mister a constatação de dois elementos: o uso e a convicção
jurídica (opinio iuris et necessitatis),
derivada de uma longa prática, realizada de maneira uniforme, constante,
pública e geral.[31]
Não obtida a integração da lacuna por intermédio do costume, deve o intérprete
se socorrer dos princípios gerais de direito.
Princípio,
do latim principium, tem o
significado de ponto de partida, início e fundamento de um processo qualquer.[32]
É o que vem antes, o que antecede, ideia de começo, base.[33]
O significado dessa palavra é polissêmico e não existe, quer na doutrina, quer
na jurisprudência, uma noção exata para sua aplicação, pois há quem sustente inexistir
qualquer diferença entre um princípio e uma cláusula geral[34],
ou aqueles que consideram, em certos casos, mais importante a discussão dos
princípios do que a análise das soluções concretas diante de determinadas
normas.[35]
Em sendo assim, a ideia de princípios gerais do direito[36]
não tem um sentido único, pois para alguns eles possuem a finalidade de
colmatar eventual lacuna se pela analogia e pelo costume o intérprete não
logrou sucesso nessa tarefa, sendo certo que para outros ele representa verdadeira
norma,[37]
bem como há quem assevere que, embora as funções da norma e dos princípios sejam
semelhantes, são eles qualitativamente diversos, com características próprias e
uma lógica também diversa no momento de interpretação e aplicação ao caso
concreto.[38]
Sobre
as diversas formas para se utilizar dos princípios
gerais do direito, esclarece Guido Alpa:
“Insomma, i principi generali, ora espressi con broccardi, ora con terminologia moderna, ora formulati ‘ex novo’ dal legislatore o creati dall’interprete attraverso un procedimento indutivo (spesso immaginifico) dalle leggi speciali o dai codici, appaiono una componente essenziale del pensiero, dell’arte, della struttura del diritto. In particolare, del diritto privato, che è terreno di elezione dei principi generali.”[39]
Embora a noção de princípios gerais do direito tenha várias aplicações no direito, o certo é que no nosso sistema eles não se encontram positivados e servem principalmente na interpretação da norma, do ato ou do negócio jurídico, bem como na colmatação de lacunas. Sua origem está no Digesto, 1, 1, 10, 1, Ulpiano: Juris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (Os preceitos do Direito são: viver honestamente, não causar dano a outrem, dar a cada um o que é seu).
Os princípios gerais do direito são normas[40] e têm por finalidade regular comportamento ainda não regulado ou regulado de forma insuficiente. São normas não positivadas que, no entanto, algumas vezes, têm aplicação corriqueira como, v.g., a força obrigatória dos pactos, que decorre da teoria contratual, ou mesmo os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado, finalidade, razoabilidade (direito Administrativo), in dubio pro societate (Direito Penal), entre outros.
Um princípio, quando expresso, seja na Constituição Federal (dignidade da pessoa humana, solidariedade, igualdade etc.), no Código Civil ou em qualquer outra norma infraconstitucional, perde a ideia de mero recurso de hermenêutica (uma de suas funções), para tornar-se ordem, determinação, imposição legal, motivo pelo qual passa a ser considerado uma cláusula geral, podendo o magistrado, assim, criar direitos e obrigações. O Código Civil possui uma gama variada de cláusulas gerais como, por exemplo, a boa-fé objetiva e probidade (art. 422), função social do contrato (art. 421), fins sociais e econômicos do ato e negócio jurídico (art. 187), função social da propriedade (art. 1.228, § 1º)[41].
Os princípios são indispensáveis ao regramento jurídico, vale dizer, na elaboração de leis, possuem função orientadora e vinculante, pois há verdadeiro liame entre normas e princípios, além das funções interpretativa e supletiva. Interessa-nos aqui as duas últimas. Quando o operador do direito se depara com uma lacuna já realiza um procedimento interpretativo e, consequentemente, valorativo. Cabe a ele, então, colmatar a lacuna.
Nessa
direção, o anteprojeto de novo Código de Processo Civil prevê, em seu art. 108
o seguinte:
“O juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade da lei, cabendo-lhe, no julgamento da lide, aplicar os princípios constitucionais e as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.”
4. Existe lacuna se há costumes e
princípios gerais do direito?
Costumes
e princípios gerais do direito, como dissemos, são normas não escritas.
Haveria, então, lacuna se há um costume ou um princípio geral do direito? Mesmo
no sistema fechado do código anterior, se considerarmos o costume e os princípios
gerais do direito normas não escritas, não teria qualquer sentido identificar
uma lacuna nessas duas hipóteses, pois se há uma regra costumeira, não há
lacuna; se existe um princípio geral, da mesma forma não se pode falar em
lacuna, uma vez que basta ao magistrado aplicar a norma. Por outro lado,
somente teria sentido identificar uma lacuna se considerarmos norma apenas um
texto legislativo escrito, posição que não perfilhamos.
5. Conclusão.
No sistema do atual Código Civil, que é aberto, consistente de regras e princípios, a exemplo do que sucede com a Constituição Federal, não teria qualquer sentido a obediência inflexível à regra do art. 4º da LINDB, que estatui, como dissemos, uma ordem para se colmatar uma lacuna: analogia, costume e princípios gerais do direito. Na sistemática atual, cada vez mais distante do método de interpretação clássico da escolástica, também denominada dogmática, ou mesmo da escola histórica-evolutiva, ao se deparar com a ausência de norma específica escrita, deve o intérprete investigar se há um princípio positivado, consistente de uma cláusula geral, para aplicar ao caso concreto. Se ainda assim não se obtém a solução do caso concreto, deve o juiz buscar uma solução justa, equânime, seja por meio dos princípios gerais do direito, da analogia ou do costume, independentemente de uma ordem preestabelecida.
Para
a colmatação de lacuna no sistema atual, o magistrado deve se utilizar de uma
interpretação a partir do texto constitucional, haja vista que se toda norma se
manifesta, se exprime sempre a partir de um princípio, tem este de estar em
consonância com os princípios fundamentais insertos em nossa Lei Maior.[42]
Independentemente
da constatação de uma lacuna, em qualquer caso nada obsta que o exegeta se
valha dos elementos básicos da interpretação preconizados pelo sistema histórico-evolutivo (gramatical, lógico,
histórico e sistemático). Entretanto, não mais se admite uma decisão judicial
que venha de encontro aos ideais de justiça, sob o simples fundamento de que determinado
dispositivo legal prevê um dado comportamento, pois desde o advento da
Constituição Federal de 1988, seguida pelo Código de Defesa do Consumidor e do
atual Código Civil, nosso sistema jurídico de direito positivo foi aberto para
os mandamentos de justiça, com a inserção dos princípios fundamentais, que nada
mais representam senão os postulados de direito natural.
Portanto, o art. 4º da LINDB não foi recepcionado
pela Constituição Federal e, como consequência, não se compatibiliza com o
sistema do Código Civil.
Dessa
forma, diante da impossibilidade do non
liquet[43],
o magistrado deve decidir consoante determina a lei, seja por meio de normas
escritas ou não escritas, princípios positivados ou não positivados, sempre na
busca do equitativo, do equânime, com equidade, que traduz o ideal de justiça[44].
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[1] Antiga Lei de Introdução ao Código Civil, designação alterada pela Lei Ordinária nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010.
[2] Law in the Making, Oxford At The Clarendon Press, 1964. Tradução livre: “Para o que, então, os juízes se voltam? Para aqueles princípios da equidade, moralidade e utilidade social, que representam a fonte principal não apenas do direito inglês, mas de todo o direito.
[3] Walter Moraes, em seu notável artigo Contribuição Tomista de Pessoa. Um contributo para a teoria do direito de personalidade, RT 590/14, ensina que a terminologia direito da personalidade é imprópria, pois esses objetos de direito não são inerentes à personalidade, mas próprios da humanidade de cada um. V. Oduvaldo Donnini e Rogério Ferraz Donnini in Imprensa Livre, Dano Moral, Danos à imagem, e sua quantificação á luz do novo Código Civil, Editora Método, 2002, p. 54 e s.
[4] V. Rogério Donnini, Responsabilidade civil pós-contratual, 3ª edição, 2011, Saraiva.
[5] Lacuna, do latim lacuna, significa espaço vago no interior de um corpo; vazio, cavidade; omissão, falha.
[6] Tercio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao Estudo do Direito – técnica, decisão, dominação, Atlas, 1993, p. 195 e 196.
[7] Maria Helena Diniz, As Lacunas no Direito, 3ª edição, 1995, Saraiva, p. 298.
[8] Federico Savigny, Sistema del Derecho Romano actual, 2ª edição, tradução de Jacinto Mesia e Manuel Poley, Editora Góngora, Madrid, 1950, p. 228.
[9] O primeiro sistema jurídico que se tem notícia são as Institutas de Gaio (Século II d.C.). Sobre as Insitutas, v. Luiz Carlos de Azevedo, Introdução à História do Direito, 2ª edição, 2007, Editora Revista dos Tribunais, p. 69 e s.
[10] Claus – Wilhelm Canaris, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, trad. A. Menezes Cordeiro, 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002, p. 66 e 67.
[11] Norberto Bobbio, Teoria Geral do Direito, tradução de Denise Agostinetti, 2007, Martins Fontes, 2007, p. 219 e s.
[12] Sobre Monismo V. André Franco Montoro, Introdução à Ciência do Direito, 21ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 361.
[13] Norbet Horn, Introdução à Ciência do Direito e à Filosofia Jurídica, tradução de Elisete Antoniuk, Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 149 e s. Para a Jurisprudência dos Conceitos, também denominada Pandectista, que é a determinação grega para Digestos, somente tinha valor o direito positivo.
[14] José Manoel de Arruda Alvim Neto, A função social dos contratos no novo Código Civil, in Simpósito sobre o novo Código Civil Brasileiro, Coordenadores: Nelson Pasini, Antonio Valdir Úbeda Lamera e Glauber Moreno Talavera, Banco Real, São Paulo, 2003, p. 87.
[15] Claus – Wilhelm Canaris, ob. cit., p. 143.
[16] O atual Código Civil Brasileiro possui uma gama variada de cláusulas gerais: arts. 113, 187, 421, 422, 884, 1.277, 1.228, § 1º, entre outros.
[17] Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, Código Civil Comentado, 4ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 161.
[18] António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, Almedina, 2ª reimpressão, 2001, p. 1.262 e 1.263. V., ainda, Alfred Büllesbach, Princípios de teoria dos sistemas, in Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas, (org. A. Kaufmann e W. Hassemer), tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002, p. 429 e s.
[19] Izabel Cristina Moreira dos Santos, As lacunas e o pensamento sistemático (na virada para a “era autopoiética”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume XLII – nº 1, Coimbra Editora, 2001, p. 300 e s.
[20] No Direito Penal, diante do princípio nulla poena sine lege, não pode o magistrado, por razões de liberdade e segurança jurídica, criar novos tipos legais.
[21] O art. 12 das Disposições Preliminares do Código Civil italiano dispõe: “Se una controversia non può essere decisa con una precisa disposizione, si ha riguardo alle disposizioni che regolano casi simile o materie analoghe; se il caso rimane ancora dubbio, si decide secondo i principi generali dell’ordinamento giuridico dello Stato.” O § 1 do Código Suíço prevê: “A lei tem aplicação em todas as questões jurídicas, para as quais existe uma segundo o teor e a interpretação. Se não pode ser encontrada nenhuma determinação na lei, então o juiz deve decidir segundo o direito costumeiro, e na falta deste, segundo a regra que o legislador apresentaria. Nisto ele segue a tradição e a doutrina consolidada.”
[22] Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, 27ª edição, 2006, Saraiva, p. 296.
[23] Rizzatto Nunes, Manual de Introdução ao Estudo do Direito, 7ª edição, 2007, Saraiva, p. 282, a respeito da dificuldade de se aplicar a analogia para integrar uma lacuna, indaga: “Semelhante com base em quê? Quais os parâmetros para a fixação da semelhança? Espécie? Gênero?” Sem dúvida alguma que se trata de tarefa árdua e complexa.
[24] Um exemplo mais recente, antes do advento do Código Civil de 2002, foi a aplicação analógica da desconsideração da personalidade jurídica nas relações entre particulares, que era prevista apenas no Código de Defesa do Consumidor.
[25] Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 3ª edição, 1997, Saraiva, p. 108 e s.
[26] Norberto Bobbio, ob. cit., p. 293.
[27] Também era utilizada a expressão mos maiorum. Nesse período, as fontes do direito eram leis apócrifas e o costume.
[28] José Carlos Moreira Alves, Direito Romano, vol. I, 13ª edição, 2004, p. 11.
[29] “Denomina-se direito baseado no costume o que o tempo consagrou, sem a intervenção da lei, com a aprovação geral”.
[30] V. Jean-Louis Bergel, Teoria Geral do Direito, tradução de Maria Ermantina Galvão, 2001, Martins Fontes, p. 53 e s. V, ainda, Rosa Maria de Andrade Nery, Noções Preliminares de Direito, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 72.
[31] Vicente Ráo, O Direito e a Vida dos Direitos, 6ª edição, 2005, p. 281.
[32] Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, tradução de Alfredo Bosi, Martins Fontes, 5ª edição, 2007, p. 928.
[33] V. Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 4ª edição, Malheiros, 1993, p. 25.
[34] Ruy Rosado de Aguiar Jr., Interptetação, Ajuris, volume 45.
[35] Jorge Sinde Monteiro in Estudos sobre a Responsabilidade Civil, Coimbra, 1983, p. 122.
[36] Miguel Reale, ob. cit., p. 306 e 307, pontifica que: “...princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobrem, desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática.” André Franco Montoro, ob. cit., p. 381, afirma: “Ao falar em ‘princípios gerais do direito’, dissemos que esse conceito corresponde aos princípios da justiça. A questão é, entretanto, campo de intensa controvérsia. Para as doutrinas de inspiração positivista, ‘princípios gerais do direito’ são aqueles princípios historicamente contingentes e variáveis, que inspiraram a formação de cada legislação concretamente considerada. Para as concepções racionalistas, pelo contrário, a expressão ‘princípios gerais do direito’, refere-se, não a valores historicamente contingentes e variáveis, mas a princípios universais, absolutos e eternos, correspondentes aos princípios de direito natural.
Cada uma dessas concepções, excluídos seus radicalismos e excessos, traz sua contribuição positiva para a solução do problema.
Uma visão compreensiva e objetiva da matéria nos leva a concluir que, entre os princípios gerais do direito, devem ser incluídos os valores contingentes e variáveis, a que se refere a concepção positivista, e os princípios universais referidos pelas doutrinas de inspiração racionalista, desde que, uns e outros, estejam devidamente fundamentados. No Brasil, por exemplo, são ‘princípios gerais’ os valores correspondentes ao sistema republicano, federativo, municipalista, a nossa formação histórica, latina, cristã, etc. E, ao mesmo tempo, os princípios absolutos e permanentes de ‘dar a cada um o que é seu’, ‘respeitar a dignidade pessoal do homem’, ‘manter a vida social’, ‘contribuição de todos para o bem comum’, e os demais princípios, materiais e formais, decorrentes do conceito de justiça.”
[37] Norberto Bobbio, ob. cit., p. 297; Humberto Ávila, Teoria do Princípios, 4ª edição, Malheiros, 2005, p. 70; e Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do Direito Privado, tradução de Vera Maria Jacob de Fradera, Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 316, entre outros.
[38] Ronald Dworking, Levando os direitos a sério, tradução de Jefferson Luiz Camargo, Martins Fontes, 2ª edição, 2007, p. 35 e s.
[39] Guido Alpa, I Principi Generali, 2ª edizione, Giuffrè, 2006, p. 5. Tradução livre: “Em suma, os princípios gerais, ora expressos com brocardos, ora com terminologia moderna, ora formulados novamente pelo legislador ou criados pelo intérprete por meio de um procedimento indutivo das leis especiais ou dos códigos, apresentam um componente essencial do pensamento, da arte, da estrutura do direito. Em particular, do direito privado, que é o terreno de eleição dos princípios gerais.”
[40] Norberto Bobbio, ob. cit., p. 297.
[41] Rogério Donnini, ob. cit., p. 151 e s.
[42] Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil, Inrtodução ao Direito Civil Constitucional, tradução de Maria Cristina De Cicco, Renovar, 1999, p. 75.
[43] O magistrado está obrigado a decidir os litígios.
[44] Na noção de direito preconizada há aproximadamente quinze séculos: Ius est ars boni et aequi (O direito é a arte do bom e do justo), Celso, citado por Ulpiano no Digesto, 533 d.C., a ideia de justiça traduz o ideal de equidade, de equitativo (aequi).