Artigo - Rogério Donnini
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO: DEVERES MÉDICOS E A
PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS
ROGÉRIO DONNINI
Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor do Programa de Mestrado e Doutorado da PUC-SP, da Escola Paulista da Magistratura, da Facoltà di Giurisprudenza dell’Università degli Studi della Campania ‘Luigi Vanvitelli’ e da Università degli Studi di Napoli Federico II, Itália. Titular da Cadeira n. 73 da Academia Paulista de Direito, da qual foi Presidente. Membro da Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française. Advogado, parecerista e consultor jurídico.
RESUMO: O
presente artigo visa analisar a responsabilidade civil do médico a partir dos
princípios neminem laedere e iustitia protectiva, de modo a salientar
a importância dos deveres médicos para a prevenção de danos na sociedade
pós-moderna. Distingue-se ainda o médico, profissional liberal, das sociedades
por eles formadas, com o intuito de explorar os diferentes regimes de imputação
previstos no Código de Defesa do Consumidor, passando pela multiplicidade de
danos ocasionáveis por erro médico e pela sistematização dos tipos de obrigação
que recaem sobre o médico.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil.
Prevenção de danos. Responsabilidade civil do médico.
SUMÁRIO: 1. Responsabilidade civil, seus
pressupostos e sua evolução. 2. A responsabilidade civil dos profissionais
liberais e das sociedades por eles formadas. 3. A relação entre médico e
paciente. 4. Contratos de massa e serviços em alta escala. 5. Danos
materiais, morais e estéticos. 6. Prevenção
de danos e os deveres do médico frente à eutanásia, ortotanásia e distanásia. 7.
Obrigação de meio, obrigação de resultado e erro médico. 8. Conclusão.
TITLE: The
civil liability of the physician: medical duties and the prevention and
reparation of the material, moral and esthetic damages.
ABSTRACT: This paper aims to analyze the civil liability of the physician based on the principles neminem laedere and iustitia proctetiva, in order to emphasize the importance of the medical duties for the prevention of damages in a post-modern society. It is also distinguished the physician, independent professional, from the societies formed by them, with the intention to explore the different regimes of imputation provided in the Consumer Defense Code, covering the multiplicity of damages that can be caused by medical malpractice and the systematization of the types of obligation that burden upon the physician.
KEYWORDS: Civil
liability. Prevention of damages. Civil liability of the physician.
CONTENTS: 1.
Civil liability, its assumptions and its evolution. 2. The civil liability of
the independent professional and of the societies formed by them. 3. The
relation between the physician and the patient. 4. Pre-formulated standard
contracts and high scale service. 5. Material, moral and esthetics damages. 6.
Prevention of the damages and duties of the physician in the face of
euthanasia, orthothanasia and dysthanasia. 7. Obligation of means, obligation
of result and medical malpractice. 8. Conclusion.
Quod optimus medicus sit quoque philosophus (que o melhor médico seja também um filósofo).
1.
Responsabilidade civil, seus pressupostos e sua
evolução
A noção de responsabilidade é a do princípio neminem laedere (a ninguém ofender). Aquele, portanto, que viola, fere o direito e causa dano a outrem, comete ato ilícito e tem o dever de reparar esse prejuízo. É o que estabelecem os arts. 186 e 927 do Código Civil e arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Portanto, sem dano não há responsabilidade, pois para que esta se configure é indispensável a existência de uma ação ou omissão qualificada juridicamente, vale dizer, a prática de um ato ilícito (responsabilidade subjetiva), no qual se constatará a existência de culpa ou dolo (ato intencional), ou um ato lícito (responsabilidade objetiva), em que não se examinará o fator culpa, diante do risco da atividade. Este é o primeiro pressuposto.
Para que se busque a responsabilização de uma pessoa, há que existir um dano (segundo pressuposto), efetivo prejuízo causado pelo ofensor ao lesado. O terceiro pressuposto da responsabilidade civil é o nexo de causalidade, isto é, o vínculo que se estabelece entre o ato ou atividade comissiva ou omissiva qualificada juridicamente, ou seja, ilícita se tratar de responsabilidade subjetiva, ou lícita (atividade de risco) e, portanto, sem a necessidade de demonstração de culpa. Por meio do nexo de causalidade permite-se constatar a causa e o efeito do ato ou atividade e, como consequência, chegar ao causador do dano. Embora seja clara essa relação de causa e efeito para se responsabilizar uma pessoa, a dificuldade nasce de situações complexas na sociedade atual, tais como aquelas de causalidade múltipla, vale dizer, quando há várias circunstâncias que concorrem para o evento danoso[1].
Nas últimas décadas
houve uma acentuada transformação da responsabilidade civil[2] em
nosso País. O motivo principal dessa mudança sucedeu, num primeiro momento, com
o advento da Constituição Federal de 1988. Em seguida, o Código de Defesa do
Consumidor (CDC) instituiu como regra a responsabilidade objetiva e,
posteriormente, o Código Civil de 2002 estabeleceu dois regimes de
responsabilidade civil: o subjetivo, centrado na culpa (imprudência,
negligência e imperícia), e objetivo, que independe dessa análise.
Os três diplomas legais
mencionados enalteceram a pessoa humana, sua dignidade e proteção. De uma
posição eminentemente patrimonialista que existia entre nós, preocupada
fundamentalmente com a circulação de riquezas e o desenvolvimento econômico, o
ordenamento jurídico, sem abandonar a noção desenvolvimentista, passou a
privilegiar um comportamento honesto, ético, correto, protetivo da pessoa
humana e do meio ambiente, baseado no aspecto humanístico, na chamada justiça protetiva (iustitia protectiva)[3], que
privilegia uma vida digna, centrada no princípio neminem laedere, na ideia, portanto, de não lesar a outrem e na
prevenção de danos[4].
Na noção tradicional de responsabilidade civil, a punição do ofensor[5], num contexto em que se exigia o ressarcimento dos prejuízos pela conduta culposa do agente, com evidente enfoque moral, estava condicionada à efetiva demonstração de um ato ilícito, ou seja, um comportamento contrário ao direito que provocasse um dano. O ponto central nessa clássica visão da responsabilidade civil estava na pessoa daquele que praticava o evento danoso, agindo com culpa, e não na pessoa do lesado. Ao ofensor, assim, era imposta normalmente insuficiente sanção, ou seja, a mera volta ao estado anterior, quando possível, por seu comportamento ser contrário ao direito. Em outras palavras, sua liberdade individual estava vinculada à responsabilidade por seus atos que, bem de ver, não deveriam prejudicar outras pessoas.
Fato importante que desencadeou a evolução na responsabilidade civil foi a transformação de atos negociais em atividade empresária, pois constatou-se que na sociedade moderna, na maioria das situações, a conduta culposa era dispensável para a configuração do dever de reparar o dano. Desta forma, embora lícito, em razão do risco da atividade ou disposição legal, a reparação da ofensa era necessária.
Assim, ocorreu a mudança
de um sistema centrado quase que exclusivamente na culpa (responsabilidade
subjetiva) que passou a abarcar a responsabilização sem o seu exame, diante de
disposição legal ou pelo risco da atividade (responsabilidade objetiva), na
maioria dos casos. Embora leis esparsas já regulassem algumas poucas situações
de responsabilidade objetiva, somente a partir da Constituição Federal de 1988
é que realmente se intensificaram os casos de responsabilidade sem culpa, tais
como aqueles previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que adotou como
regra a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos ou serviços.
2. A responsabilidade
civil dos profissionais liberais e das sociedades por eles formadas
O dever de indenizar, diante da prática um
ato ilícito ou mesmo lícito que cause dano a outrem, pode surgir sem que haja
qualquer vínculo entre ofensor e lesado (responsabilidade extracontratual) ou
advir de uma relação proveniente de um contrato (responsabilidade contratual).
O Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078/90) regula as relações de consumo, ou seja, aquelas que
se estabelecem entre fornecedor e consumidor, considerado este aquele que se
utiliza de um bem ou serviço inserido no sistema econômico por um profissional.
O fornecedor, por sua vez, é conceituado no art. 3º do CDC como toda pessoa
física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, incluídos os
prestadores de serviço. No mesmo dispositivo legal, em seu § 2º, está
especificado que serviço é qualquer atividade fornecida no mercado, mediante
remuneração.
Portanto, por força
de lei, são considerados fornecedores tanto os médicos, advogados, arquitetos,
engenheiros, dentistas etc., na condição de profissionais, como as empresas por
eles formadas. Na atualidade, contudo, esses profissionais, que antes
atuavam de maneira isolada, têm uma tendência de união de esforços para a formação
de empresas prestadoras de serviços, constituindo, assim, hospitais, bancas de
advocacia, sociedades de engenheiros ou arquitetos. Embora
haja uma propensão à união de esforços dos profissionais liberais, com a
constituição de sociedades, há aqueles que atuam individualmente, numa relação
de confiança entre paciente/cliente e o profissional, motivo pelo qual a lei
fez uma distinção entre essas duas categorias.
Na hipótese de empresas fornecedoras de serviços, como, por exemplo, hospitais, a constatação de um dano a um paciente leva à responsabilidade civil objetiva que, como dissemos, independe da existência de culpa em quaisquer das suas modalidades (negligência, imperícia ou imprudência) para que o prejuízo seja reparado. Sendo assim, caso o serviço prestado seja defeituoso, na maneira pela qual foi prestado, com informações errôneas ou insuficientes sobre os possíveis riscos de um dado procedimento, basta a constatação do dano e ação ou omissão do fornecedor para a configuração de sua responsabilidade civil.
Todavia, há a
possibilidade de isenção de responsabilidade nesse caso, desde que haja a
comprovação do fornecedor de que não prestou o serviço ou, embora tenha
prestado, o defeito não existe, ou ainda demonstre que a culpa foi exclusiva do
consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º, incisos I e II, do CDC).
No que concerne aos
profissionais liberais, a relação que se estabelece entre paciente e
profissional é intuito personae, isto
é, o contrato celebrado entre as partes é personalíssimo, caracterizando-se por
um vínculo de confiança em que o contratado (fornecedor), e somente ele, está
apto ao exercício de um dado serviço, razão pela qual o § 4º do art. 14 do CDC
abriu uma exceção à objetivação da responsabilidade civil, prevendo nessa hipótese
a necessidade da comprovação de culpa para essa responsabilização. Em sendo
assim, somente se demonstrada a conduta do profissional de forma negligente ou
agindo este com imperícia ou imprudência, causando danos ao consumidor, é que
surgirá o dever de indenizar.
No entanto, mesmo em
se tratando de profissionais liberais e estando afastada a responsabilidade
objetiva, nada obsta a aplicação da inversão
do ônus da prova em juízo, vale dizer, diante da hipossuficiência do
consumidor, que é a parte mais fraca dessa relação, o que é a regra, ou no caso
de alegação verossímil, um argumento plausível, provavelmente verdadeiro, de
acordo com as regras ordinárias de experiência, pode o magistrado determinar
que o fornecedor prove que não agiu equivocadamente e, como consectário, não
foi negligente, imperito ou imprudente[6].
3.
A
relação entre médico e paciente
A etimologia da
palavra médico advém do latim medicus,
que decorre de medeor (aquele que
cura as doenças). Outra designação comum a esse profissional é a de doutor, que provém também do latim docere, ou seja, ensinar (a cura),
mestre[7]. Diante da importância dessa
profissão, durante milênios esteve ela ligada à magia e à religião. O médico
era, assim, considerado alguém acima dos comuns, uma quase divindade, em razão
de seus conhecimentos que poderiam levar à cura dos enfermos, fato esse que
resistiu ao tempo e chegou até a Idade Média. No século XIV havia no Ocidente
duas espécies de médicos: o médico-físico, laureado em medicina e filosofia[8], e o médico-cirurgião, menos
importante e mero aplicador dos conhecimentos do primeiro.
Até recentemente a
atividade médica estava vinculada à ideia de sacralidade ou algo muito próximo
disso, pois em boa parte do século passado, especialmente em nosso País, o
médico era considerado uma pessoa cujos conhecimentos eram pouco questionáveis
e a confiabilidade nos seus atos era proveniente de uma amizade que se
estabelecia não apenas com a paciente, mas com os demais integrantes de sua
família que, em verdade, o elegiam para cuidar da saúde familiar.
Deveras, excepcionais
eram as demandas judiciais envolvendo médicos, mesmo se o ato ou atividade
médica fosse equivocado, incluindo aqueles de natureza grave que causassem
danos ao paciente, uma vez que o médico continuava a ser o profissional
escolhido pela família. De registrar-se que, além desse fato, havia um espírito
de corpo acentuado na classe médica e os erros médicos perpetrados eram, muitas
vezes, acobertados por seus pares, situação que se alterou nos últimos
decênios, visto que as perícias judiciais passaram a apontar, com mais
frequência, os procedimentos inadequados e danosos aos pacientes, com a
responsabilização do lesante.
4.
Contratos de massa e serviços em alta
escala
A evolução da responsabilidade
civil ocorreu, em especial, a partir da transformação do contrato, seja no seu
conteúdo, seja nas suas funções, com as mudanças sociais, com a chamada
massificação da sociedade e o surgimento de novas formas de contratação, como
os contratos de adesão e os padronizados, mas também com a multiplicação de serviços e produtos.
Os contratos de massa resultaram e continuam a gerar, como consequência direta,
serviços que passaram a ser prestados também de maneira massificada entre os profissionais
liberais. Esse fato modificou completamente a maioria das relações jurídicas,
incluindo aquela existente entre médico e paciente, que passou a ser realizada,
muitas vezes, de forma impessoal e massificada. É decorrência desse fato o
grande número de ações que versam sobre erro médico, que aumentou de maneira
desproporcional nos últimos anos.
Portanto, contratos de massa geram serviços e produtos em alta escala, para uma gama imensa de pessoas, o que, inegavelmente, provoca, como consequência, uma vasta quantidade de danos que, se antes não eram reparados por vários motivos, alguns deles já aqui apontados, hoje são passíveis de reparação. O distanciamento, na relação entre o paciente e o médico, o mesmo sucedendo em outras profissões, com serviços massificados, propiciou um maior número de erros e consequentes ações de indenização propostas pelas vítimas ou seus familiares.
5.
Danos materiais, morais e estéticos
A palavra dano deriva
do latim damnum, que provém de demere (tirar, diminuir) e tem o
significado de diminuição do patrimônio de uma pessoa, redução de seus bens
jurídicos, em razão de conduta de alguém (lesante), que pode ser ilícita ou
lícita (previsão legal ou risco da atividade), que resulta no efetivo prejuízo
suportado pela vítima. É necessário, portanto, que haja dano, seja ele
material, moral, estético ou à imagem, para que exista indenização.
A noção de dano é
fundamental para que se possa estabelecer uma ideia precisa da responsabilidade
civil. O dano, seja ele material ou imaterial, é um dos pressupostos da
responsabilidade civil, ao lado da existência de uma ação (comissiva ou
omissiva) e o nexo de causalidade entre o ato e o dano. Este é, na realidade, o
consectário de um ato ilícito ou mesmo lícito e representa uma diminuição de um
bem jurídico da vítima[9].
O dano material
importa na modificação desfavorável da situação patrimonial na esfera jurídica
de uma pessoa. Trata-se de uma ofensa ou redução de determinados valores de
ordem econômica. Assim, na hipótese de um dano efetivo, passível de apreciação
pecuniária, seja ele emergente (damnum
emergens), ou seja, o dano efetivo em razão de diminuição patrimonial, seja
ele um dano negativo (lucros cessantes), diante da frustração de lucro, tem-se
o dano material passível de reparação. É indispensável que o dano, para que
seja ressarcível, se revista de certeza
(tem de ser certo e não eventual ou hipotético) e atualidade (dano que existe ou já existiu)[10].
Não há controvérsias
importantes na doutrina e jurisprudência quando o ato ou atividade lesiva
atinge apenas o patrimônio da vítima, resultando no denominado dano material. O
resultado da ofensa pode estar vinculado a um efeito imediato, no patrimônio
atual do lesado, com a sua diminuição ou, além desse efeito, o prejuízo
lançar-se para o futuro. No primeiro caso, como vimos, essa lesão consiste no
que se denomina dano emergente, enquanto no segundo lucros cessantes. Portanto,
o dano emergente nasce de maneira imediata da lesão suportada, causadora do
prejuízo[11] e os
lucros cessantes, por outro lado, dizem respeito aos benefícios que a coisa
danificada ou perdida concederia ao ofendido, o que ele deixou de ganhar[12].
A construção
doutrinária do dano material e sua reparação é bastante antiga e implica no
binômio lesão e reparação a um bem material, com valoração pecuniária. Todavia,
entendia-se que a dor, a angústia, a honra maculada, a humilhação, entre outros
sentimentos, por serem insuscetíveis de uma avaliação econômica, seriam
irreparáveis e protegidos apenas pelo Direito Penal. Essa corrente, denominada negativista da reparação, embora tivesse
prevalecido na maior parte do século passado, sucumbiu com a Constituição
Federal de 1988, que previu expressamente a possibilidade de reparação do dano
moral.
Vários foram os
argumentos doutrinários destinados à diferenciação entre dano material do
moral. Se o prejuízo repercutisse no patrimônio de uma pessoa, o dano seria
material ou patrimonial; se não produzisse qualquer efeito no patrimônio da
pessoa, seria moral. Trata-se de uma caracterização negativa do dano, vale dizer, sua contraposição ao dano
patrimonial.[13]
O dano moral tem sido
relacionado à dor, angústia, sofrimento, tristeza suportados por uma pessoa ou
como uma perturbação injusta no estado de ânimo de uma pessoa, determinado pela
ofensa recebida. Contudo, esses sentimentos não representam o dano moral, mas
sua consequência. Em verdade, a ofensa a um direito
da personalidade (vida, liberdade, honra, integridade física e psíquica
etc.) dá ensejo à reparação desse dano, denominado moral. Assim, se violados os
direitos da personalidade, desde que seja comprovado o prejuízo, a vítima pode
requerer a sua reparação mediante a fixação de uma quantia, para que sejam
compensadas a dor, a humilhação, a tristeza, enfim, o sofrimento suportado. Desta
forma, a violação a esses direitos, uma vez comprovado o ato, o dano e o nexo
de causalidade, resulta na possibilidade de reparação, mediante a fixação de
uma indenização.
Interessante
observar, com inspiração na doutrina italiana, que os danos extrapatrimoniais
podem ser delineados em subcategorias autônomas, paralelamente aos consagrados
danos estéticos e à imagem, de forma a abranger o dano moral subjetivo, o dano
biológico e o dano existencial, com o escopo de proporcionar definições exatas,
que atendam à extensão do dano e às particularidades distintas dos danos
suportados pelo lesado[14].
O dano moral
subjetivo é compreendido na acepção tradicional do dano moral, previsto na
legislação constitucional e infraconstitucional, consistente na violação de um
direito da personalidade, que, por consequência da lesão, provoca a perturbação
do ânimo do ofendido.
O dano existencial, a seu turno, consubstancia lesão que não se delimita apenas à natureza emotiva, sendo objetivamente constatável pela alteração dos hábitos e das estruturas relacionais da vítima, obrigando-a a escolhas de vida diferentes no tocante à expressão e realização da personalidade no mundo exterior[15]. Dessarte, definido como dano que ocasiona o comprometimento da dimensão existencial da pessoa, em virtude da necessidade de adoção de hábitos diversos dos existentes no passado, tem-se um projeto de vida desfeito, transformado diretamente pela lesão causada.
Os desdobramentos do
dano existencial abarcam, além da perda da qualidade de vida, a incapacitação
para atividades costumeiras (andar, passear, exercitar-se, sair de férias etc.)
e o sofrimento na realização de atos desagradáveis até então prescindíveis,
tais como cirurgias, reabilitações e internações[16]. Para ilustrá-lo, é exemplo a lesão
que torna a vítima tetraplégica, ou paraplégica, ou ainda a transformação da
vida de um pai ou de uma mãe que tem de cuidar em tempo integral de um filho
que, até a ocorrência da lesão, era autossuficiente. Por fim, em âmbito
trabalhista, é possível apontar a hipótese de trabalhador que não recebe o
pagamento das férias por dez anos[17].
A terceira expressão
alberga o dano biológico ou dano à saúde. A palavra saúde deriva do latim salus e tem o significado de
preservação, de conservação da vida, do bem-estar da pessoa nas funções
físicas, afetivas, mentais e sociais. Essa noção é mais ampla do que se pode
pensar, alcançando não só a ausência de doença e enfermidade, mas também a
plena eficácia das funções orgânicas, culturais, físicas e relacionais. Dessa
forma, o dano biológico ou à saúde representa o aspecto extrapatrimonial da
lesão que abala a integridade fisiopsíquica da vítima, de modo a alterar suas
atividades diárias provisória ou permanentemente, o que, em última análise,
interfere em suas relações interpessoais[18].
No que concerne ao dano estético (ob deformitatem), por força da doutrina
e jurisprudência, é possível a cumulação deste, por ocasião da fixação da
indenização, com o dano moral, conforme prevê a Súmula 387, do Superior
Tribunal de Justiça, bem como decisões que o consideram autônomo, também, da
aflição de ordem psíquica[19]. Consideram-se
danos estéticos a longa ou permanente alteração na aparência externa de uma
pessoa, que lhe provoca um enfeamento e, como consequência, um sofrimento moral[20].
Além disso, diferentemente do que vem decidindo nossos tribunais, importa salientar que nada impede a cumulação das subcategorias expostas no arbitramento da reparação, a depender das circunstâncias atinentes ao caso concreto. Exemplificativamente, isso significa que se houver dano existencial, deverá ser concomitantemente arbitrada a importância relativa ao dano moral subjetivo. Similarmente, não há óbice à fixação de três valores em apartado, consistentes no dano moral subjetivo, dano existencial e dano biológico, ou, ainda, ao estabelecimento de um quarto arbitramento, decorrente do dano estético.
6. Prevenção de danos e os deveres do médico frente à
eutanásia, ortotanásia e distanásia
Há, atualmente, um novo
rumo para a responsabilidade civil, baseado na busca pela proteção, calcado nos
princípios da prevenção e da precaução de danos que, na realidade, apenas
reforçam uma nova tendência, delineada na justiça
protetiva, cujo fundamento está previsto em vários dispositivos de nossa
legislação constitucional e infraconstitucional, integrando, assim, o que
denominamos princípio da responsabilidade.
Na Constituição Federal pode ser citado um dispositivo específico, consistente
do art. 5º, XXV[21], que garante o acesso à
justiça e deriva do princípio neminem
laedere (a ninguém lesar), além dos arts. 1º, III (dignidade da pessoa
humana), 3º, I (solidariedade)[22] e 6º, caput (segurança).
No plano infraconstitucional, podem ser mencionados o art. 12 do Código Civil, que possibilita a cessação da ameaça ou lesão a direito da personalidade, além dos específicos dispositivos que versam sobre a reparação de danos: arts. 186 e 927, entre outros, do mesmo diploma legal.
Por se tratar de uma relação de consumo aquela estabelecida entre médico e paciente, várias são as disposições do CDC acerca da proteção do consumidor, nessa mesma visão de proteção, tais como o art. 6º, VI (“São direitos básicos do consumidor: ...VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.”) e VII (“a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos), que versam sobre a efetiva prevenção e reparação de danos.
Especificamente na área médica, o efetivo cumprimento dos deveres do médico certamente evita a incidência de danos. São vários esses deveres e escolhemos apenas alguns, por nós considerados fundamentais.
O primeiro deles, consistente do dever de informação, tem por finalidade
esclarecer, de maneira adequada e numa linguagem acessível, o correto
diagnóstico, a indicação terapêutica, a necessidade de eventual procedimento
cirúrgico e no prognóstico, bem como a obtenção da concordância do paciente ou
seus familiares acerca de uma dada intervenção ou tratamento, exceção feita a
situações emergenciais.
O dever de
cuidado advém, inicialmente, de uma relação de confiança que deva existir
entre o médico e o paciente, para zelar por sua saúde[23] com dignidade, com prudência (dever de ser diligente) e não
abandoná-lo (dever de não abandonar o
paciente), não deixar de atendê-lo, especialmente em situações de
emergência em que não haja outro profissional apto a fazê-lo, podendo, no
entanto, renunciar ao atendimento se o relacionamento se tornar insustentável,
desde que comunique, com antecedência, essa decisão[24].
O dever de preservar a vida do paciente, previsto no art. 66 do Código de Ética Médica, proíbe o profissional de “utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal”. Em outras palavras é vedada a eutanásia (do grego, eu, bom, verdadeiro, e thanatos, morte), ou seja, o ato interventivo de propiciar a morte sem sofrimento a um paciente em estágio terminal, ou portador de doença incurável que lhe causa dor excessiva, além de situações de inconsciência irreversível. Da mesma forma, também há proibição da distanásia (do grego dis, mal, mal feito, e thanatos, morte), que consiste na intervenção que tem por finalidade o prolongamento artificial da vida de um paciente, por meio de medidas paliativas, sem resultados efetivos, com a intenção de estender, ao máximo, o curso de suas circunstâncias vitais que o levariam à morte[25].
Se a eutanásia e a distanásia não são permitidas, seja no Código de Ética Médica, seja em nossa legislação, a ortotanásia (boa morte, morte correta), que nada mais é do que a abstenção de qualquer intervenção médica ou suspensão de tratamento que prolonga a vida do paciente, no caso de doença incurável ou impossibilidade de melhora de sua enfermidade, propiciando-lhe uma morte de acordo com o curso natural da doença, é admitida. A Resolução nº 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina foi acolhida em várias decisões judiciais, desde que aquele que emana essa vontade livre esteja em condições físicas ou psicológicas de exarar essa declaração, ou tenha deixado uma diretiva antecipada de vontade (testamento vital)[26].
Trata-se, nas palavras do Des. Relator Irineu Mariani, do TJRS, de respeito à dignidade do paciente, mesmo porque inexiste no nosso sistema constitucional o dever à vida, mas o direito a uma vida digna, com alguma qualidade, motivo pelo qual obrigar alguém a suportar determinada cirurgia ou tratamento, sem a sua concordância, mormente em situações de mutilação, seria determinar um constrangimento ilegal, o que é vedado[27].
O dever de sigilo integra esse mesmo rol. O
médico não deve propagar informações do paciente constantes de seu prontuário,
de exames, fichas de evolução e relatórios, inclusive. Há, contudo, exceções,
como o cumprimento de determinação judicial, autorização expressa do paciente,
ou mesmo na apresentação de defesa, no âmbito administrativo ou judicial, por
parte do médico ou da instituição.
Dessa forma, o médico
ou uma sociedade desses profissionais que atenda a esses deveres, certamente
evitará prejuízos aos pacientes e, como consequência, diminuirá a incidência de
lesões.
7.
Obrigação de meio, obrigação de resultado e erro médico
A atividade médica, em regra, é consistente
de uma obrigação de meio, vale dizer, não há um dever de resultado, como o
sucesso na cirurgia, no tratamento, nos exatos diagnósticos ou prognósticos,
mesmo porque, em várias situações, há fatores alheios à sua atuação. Exige-se,
todavia, o emprego da técnica adequada, com o comprometimento do melhor desempenho,
na busca de um resultado satisfatório para o paciente. Por outro lado, existe,
em alguns poucos casos, a incidência de uma obrigação de resultado na atividade
médica[28], ou seja, quando efetivamente o resultado de certo
procedimento representa a finalidade da obrigação, como na cirurgia estética. Embora
haja o comprometimento do profissional por um determinado resultado, caso haja
dano decorrente do insucesso da cirurgia, deve ele ressarcir o paciente, o que
não significa dizer que não poderá o médico provar, pelos meios previstos em
lei, que o evento danoso tenha ocorrido
em razão de motivo de força maior, caso fortuito ou mesmo de culpa exclusiva do
paciente[29].
Em ambos os tipos de obrigação pode advir o
denominado erro de técnica (erro
profissional) e o erro médico (erro
de imperícia). O primeiro sucede quando a conduta do profissional é a adequada,
mas a técnica é mal utilizada, o que gera um erro justificável, escusável,
quando se vale o médico de técnica usual, conhecida. O segundo ocorre quando a
técnica empregada é a correta, porém a atuação realizada com imperícia, o que
traz como consequência, em havendo prejuízo ao paciente, o dever de repará-lo.
No que tange aos hospitais, clínicas e
demais instituições vinculadas à prestação de serviço de saúde, na hipótese de
dano causado ao paciente por falhas na prestação desses serviços, como
dissemos, a responsabilidade é objetiva (responsabilidade
pelo fato do serviço – CDC, art. 14), ou seja, independe da comprovação de
culpa[30].
8.
Conclusão
A responsabilidade civil atual não está fundada apenas na ideia de reparação do dano, mas na prevenção de prejuízos, seja nas situações reguladas pelo Código Civil, seja naquelas de incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Os serviços prestados por médicos, clínicas
e demais instituições vinculadas à prestação de serviço de saúde, bem como
pelos demais profissionais liberais, nas relações que se estabelecem entre
estes e seus pacientes ou clientes, são regulados pelo CDC. Sendo assim, o
médico é um fornecedor de serviços e seu paciente um consumidor, considerado a
parte mais fraca dessa relação e, portanto, protegido pela legislação
consumerista que, bem de ver, determina que haja a prevenção de danos e a
efetiva reparação de suas várias espécies (materiais, morais e estéticos).
Na seara médica, o cumprimento dos deveres
do médico e o serviço adequado prestado pelas instituições de saúde evitam
certamente a incidência de danos. No caso de médicos, na hipótese de lesão ao
consumidor (paciente), a responsabilidade é subjetiva (perquire-se se houve
culpa), ao passo que para as pessoas jurídicas é objetiva, o que independe da
aferição de culpa.
Outra forma de prevenção de danos ocorre por ocasião da fixação da indenização, que deve ser proporcional à gravidade e extensão do dano. Se arbitrada sem razoabilidade, ou seja, uma soma irrisória pode estimular a prática danosa; se extremamente elevada, levará à insolvência o profissional ou a sociedade por ele formada.
Referências bibliográficas
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral das Obrigações, responsabilidade civil, São Paulo: Atlas, 10ª Ed., 2004.
Carnevale, Aldo; SCARANO, Generoso. Il danno alla persona – aspetti giuridici e medico-legali, Padvoa: CEDAM, 2010.
DIAS, José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 12ª edição, 2ª tiragem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
DONNINI, Rogério e Raphael Abs Musa de Lemos. Dignidade e autonomia: a ponte dogmática para o testamento vital, in http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/23531
DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade – Felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido, Rio Grande do Sul: Antonio Sergio Fabris Editor, 2015.
____________. Responsabilidade civil pós-contratual, São Paulo: Saraiva, 3ª edição, 2011.
____________. Comentários ao Código Civil Brasileiro, V. VIII, arts. 927 a 954, Coord. Arruda Alvim e Thereza Alvim, Rio de Janeiro: Forense, 2013.
FARINA, Aguiar. Os direitos e deveres no relacionamento Médico-Paciente, in CFM: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20455:&catid=46
GALGANO, Francesco. Istituizioni di diritto privato, 6ª ed., Milano: Cedam, 2010.
GOMES, Orlando. Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 2004.
LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético, responsabilidade civil, 3ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MAZZOLA, Marcello Adriano. I nuovi danni, Padova: Cedam, 2008.
NERY JUNIOR; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 11ª edição, 2014.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1999.
PRIORESCHI, Plinio. A History of Medicine, V. III, Roman Medicine, Omaha (USA): Horatius Press, 2001.
RIPERT, George. A regra moral nas obrigações civis, tradução de Osório de Oliveira, Campinas: Bookseller, 2000.[1] Art. 6º, VIII, do CDC.
[1] Rogério Donnini, Responsabilidade civil pós-contratual, São Paulo: Saraiva, 3ª edição, 2011, p. 33 e s.
[2] Responsabilidade, do latim respondere, de spondeo, é resultado da obrigação no direito romano arcaico, direito quiritário, na época da Realeza, período compreendido entre as origens de Roma e 510 a.C., em que o devedor, nos contratos verbais, se vinculava ao credor, por meio de uma indagação e resposta: Spondesne mihi dare Centum? Spondeo (Prometes dar-me um cento? Prometo), conforme Álvaro Villaça Azevedo, Teoria Geral das Obrigações, responsabilidade civil, São Paulo: Atlas, 10ª Ed., 2004, p. 276.
[3] Rogério Donnini, Responsabilidade civil na pós-modernidade – Felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido, Rio Grande do Sul: Antonio Sergio Fabris Editor, 2015.
[4] Rogério Donnini, Comentários ao Código Civil Brasileiro, V. VIII, arts. 927 a 954, Coord. Arruda Alvim e Thereza Alvim, Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 363 e 364.
[5] George Ripert, A regra moral nas obrigações civis, tradução de Osório de Oliveira, Campinas: Bookseller, 2000: “O que na realidade visa a condenação não é a satisfação da vítima, mas a punição do autor.”
[6] Art. 6º, VIII, do CDC.
[7] Dizionario Etimologico - https://www.etimo.it/?term=medico&find=Cerca
[8] Quod optimus medicus sit quoque philosophus (que o melhor médico seja também um filósofo). V. Plinio Prioreschi, A History of Medicine, V. III, Roman Medicine, Omaha (USA): Horatius Press, 2001, p. 618.
[9] Rogério Donnini, ob. cit., p. 395.
[10] Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 39/42.
[11] José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 12ª edição, 2ª tiragem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 822-839.
[12] Francesco Galgano, Istituizioni di diritto privato, 6ª ed., Milano: Cedam, 2010, p. 164.
[13] Orlando Gomes, Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 63. Para esse autor, entre os direitos personalísimos, podem ser citados a vida, a liberdade, a saúde, a honra, os direitos ao nome, à própria imagem e ao crédito comercial.
[15] A noção exposta de dano existencial advém de decisão da Corte di Cassazione italiana, Sezione Unite n. 6.572, de 24/03/2006.
[16] Aldo Carnevale; Generoso Scarano, Il danno alla persona – aspetti giuridici e medico-legali, Padvoa: CEDAM, 2010, 119.
[17] TST – RR 727-76.2011.5.24.0002, 1ª Turma, Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, j. 19/06/2013, DEJT 28/06/2013.
[18] O dano biológico ou dano à saúde é definido na Itália, no art. 139, n. 2, do Decreto Legislativo n. 209/2005, da seguinte forma: “A lesão temporária ou permanente da integridade fisiopsíquica da pessoa suscetível de avaliação médico-legal, que exerce uma incidência negativa nas atividades quotidianas sobre aspectos dinâmico-relacionais da vida do ofendido, independentemente de eventuais repercussões na sua capacidade de produção de renda”. No original: “La lesione temporanea o permanente all’integrità psico-fisica della persona suscettibile di accertamento medico-legale che esplica un’incidenza negativa sulle attività quotidiane e sugli aspetti dinamico-relazionali della vita del danneggiato, independentemente da eventual ripercussioni sulla sua capacità di produrre reddito.”
[19] STJ – REsp 812.506/SP, 4ª Turma, Min. Rel. Raul Araújo, j. 19/04/2012, DJe 27/04/2012. Ementa: “RECURSO ESPECIAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE FERROVIÁRIO. QUEDA DE TREM. DANOS MATERIAL E MORAL RECONHECIDOS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DANO ESTÉTICO AUTÔNOMO. DIREITO À REPARAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. ‘É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral’ (Súmula 387/STJ), ainda que derivados de um mesmo fato, mas desde que um e outro possam ser reconhecidos autonomamente, sendo, portanto, passíveis de identificação em separado. 2. Na hipótese em exame, entende-se configurado também o dano estético da vítima, além do já arbitrado dano moral, na medida em que, em virtude de queda de trem da companhia recorrida, que trafegava de portas abertas, ficou ela acometida de ‘tetraparesia espástica’, a qual consiste em lesão medular incompleta, com perda parcial dos movimentos e atrofia dos membros superiores e inferiores. Portanto, entende-se caracterizada deformidade física em seus membros, capaz de ensejar também prejuízo de ordem estética. 3. Considera-se indenizável o dano estético, autonomamente à aflição de ordem psíquica, devendo a reparação ser fixada de forma proporcional e razoável. 4. Recurso especial provido”.
[20] Teresa Ancona Lopez (O dano estético, responsabilidade civil, 3ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 46.
[21] “Não se excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
[22] Rogério Donnini, ob. cit., p. 46 e s.
[23] A noção de saúde não se enquadra apenas na ausência de doença, enfermidade, mas na eficácia das funções orgânicas, culturais, físicas e relacionais. Assim, o fato de alguém não ter uma moléstia não caracteriza, por si só, uma vida com saúde, visto que é conditio sine qua non o efetivo funcionamento de todas essas funções.
[24] Aguiar Farina, Os direitos e deveres no relacionamento Médico-Paciente, in CFM: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20455:&catid=46
[25] Rogério Donnini e Raphael Abs Musa de Lemos, Dignidade e autonomia: a ponte dogmática para o testamento vital, in http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/23531
[26] A diretiva antecipada de vontade consiste em negócio jurídico existencial, unilateral e personalíssimo, submetido a condição suspensiva – o evento futuro incapacitante –, cujo objeto compreende as medidas e os tratamentos médicos que o declarante deseja receber se porventura estiver em estado terminal, em situação na qual não possa mais externar conscientemente sua vontade, ou em estágio avançado de doença incurável que o levará à morte. No Brasil, o instituto adquiriu propagação pelo emprego da expressão “testamento vital”. Embora não se vislumbrem prejuízos ao emprego deste termo, é preciso esclarecer que não se trata, tecnicamente, de um testamento, pois as diretivas antecipadas de vontade visam à produção de efeitos durante a vida do paciente. Ademais, à luz do amadurecimento verificado no direito norte-americano (Patient Self-Determination Act, de 1º de dezembro de 1991), é possível distinguir ao menos três espécies: o living will, representativo de declaração de vontade para cuidados futuros na hipótese de incapacidade do paciente, o durable power of attorney for health care, consistente em mandato duradouro para que um procurador, no futuro, possa tomar decisões em nome do incapacitado, e o advance care medical directive, referente à específica ordem ou decisão antecipada para a adoção de cuidados médicos.
[27] TJRS – Apelação Civel nº 70054988266 - Primeira Câmara Cível – Relator: Irineu Mariani - publ. 27/11/2013. Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural. 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. 5. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013). Na mesma direção o TJSP, na Apelação Cível nº 1001378-30.2015.8.26.0363, 5ª Câmara de Direito Privado - Rel. J.L. Mônaco da Silva, publicação: 31/01/2018.
[28] V. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Código Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 11ª edição, 2014, p. 1.195.
[29] STJ - REsp 236708 e REsp 985888
[30] Súmula n. 83 do STJ