Artigo - Oduvaldo Donnini

LULA E A DOAÇÃO DO IMPERADOR CONSTANTINO

            As falsificações existem desde os primórdios da humanidade e o direito tem se desenvolvido, ao longo de milênios, no sentido de coibi-las. Na Europa medieval havia um respeito muito grande por decretos imperiais antigos. Quanto mais vetusto o documento, mais valor, autoridade e respeito possuía. O imperador romano Constantino (288 a 337) era venerado no período medieval por ter transformado o império então pagão em cristão, visto que, por meio do Édito de Milão, em 313, foi permitida a prática do cristianismo e a neutralidade imperial quanto ao credo religioso.

            Na Idade Média, como sabemos, os Papas detinham uma autoridade política enorme e quando havia algum embate no continente europeu era invocada a “Doação de Constantino”, documento em que o imperador, em 315, teria doado ao Papa Silvestre I e a seus sucessores o domínio perpétuo da parte Ocidental do Império Romano. Assim, diante de vários conflitos medievais, territoriais, na sua maioria, a autoridade papal era respeitada em razão dessa doação.

            Pois bem. Em 1441, um padre católico, precursor da linguística, demonstrou, de forma incontestável, que a “Doação de Constantino” era uma falsificação. Após examinar várias palavras e termos inseridos no documento, ele provou que no século IV eles não existiam no latim daquela época e a data estava completamente errada (30 de março). Em verdade, concluiu que referido documento teria sido forjado e redigido quatrocentos anos após a morte de Constantino (Yuval Noah Harari, Homo Deus Uma breve história do amanhã, Companhia das Letras), fato esse comprovado historicamente. Uma farsa.

            Guardada a desproporção de relevância desse fato com a falsidade dos recibos apresentados pelo ex-presidente Lula para provar a existência de uma relação de locação com Glaucos da Costamarques, há certa similitude, ao menos com as datas e a escrita. Embora a “Doação de Constantino” tenha sido escrita em latim escorreito, como é óbvio, foram utilizadas palavras que não existiam à época da pretensa doação. Quanto aos recibos apresentados por Lula, há erros constantes de ortografia em vários deles, o que demonstra que foram escritos em um único dia, por pessoa que pouco conhece o vernáculo. Com relação às datas, a falsa doação possui uma data correta, mas incompatível para aquele tipo de documento. Nos recibos do ex-presidente foram grafadas datas inexistentes.

            Se a farsa da doação levou muitos séculos para ser descoberta, os falsos recibos foram elaborados com uma primariedade que ofende qualquer aluno do ensino fundamental e podem ser percebidos em poucos minutos, além de poderem configurar flagrante falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal).

 

                                                                       O. Donnini, advogado e jornalista

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